quarta-feira, 9 de abril de 2014

Grande Mulher "Doula".

O papel das doulas

Saiba como essas mulheres podem ajudar durante a gestação, no parto e nos primeiros meses do seu bebê em casa

Por Marcela Bourroul - atualizada em 11/07/2013 14h50
Siga Revista Crescer no Pinterest
gravida_barriga (Foto: shutterstock)
O parto nunca foi um momento fácil na vida das mulheres. Os desconfortos das últimas semanas de gestação, a ansiedade de ter o bebê finalmente nos braços e o medo das dores do parto contribuem para criar uma atmosfera de nervosismo em torno desse acontecimento. Por isso, as grávidas sempre tiveram o apoio de familiares e amigas que já haviam passado por esse momento e conseguiam oferecer a sua experiência como prova de que, no final, daria tudo certo.
Algumas mudanças na sociedade, porém, dificultaram esse convívio. Primeiro, as famílias ficaram menores e passaram a viver em núcleos pequenos (é muito difícil hoje encontrar pessoas de três ou quatro gerações morando na mesma casa). Depois, cada vez mais os partos começaram a ser feitos em hospitais e esse momento perdeu um pouco da sua naturalidade. Claro que hoje é indispensável ter acompanhamento médico durante a gravidez e o parto, mas esse apoio feminino, intuitivo, acabou sendo deixado de lado.

É para suprir essa demanda que surgiram as doulas. São mulheres que oferecem apoio emocional, tiram dúvidas e orientam as gestantes, antes, durante e depois do parto. Se você nunca ouviu falar nelas ou já ouviu falar, mas está na dúvida se deve procurar esse apoio, conversamos com Eleonora Moraes, doula e fundadora do "Despertar do Parto", em Ribeirão Preto, para explicar como funciona esse trabalho.
A doula é uma enfermeira?

Não necessariamente. A maioria das doulas tem uma formação profissional anterior (psicólogas, professoras de educação física, fisioterapeutas etc.) e passa a oferecer esse serviço depois de fazer um curso específico para doulas. No entanto, independente de sua formação profissional, o papel delas não é fazer qualquer tipo de procedimento médico. Doulas não fazem auscuta fetal, medem pressão, veem batimento cardíaco do bebê nem cortam o cordão umbilical após o nascimento. O papel dela é dar o apoio emocional, conforto físico, além de ser uma ponte entre os médicos e a mulher, traduzindo termos médicos para a grávida e ajudando-a a expressar seu desejo para o médico.
A doula pode atrapalhar meu relacionamento com o obstetra?

Isso não deve acontecer. A doula colabora para o diálogo entre médico e gestante, mas não deve ir além disso. Se por causa da explicação da doula e das informações que ela fornece a paciente decide questionar o médico, é uma coisa. Mas a própria profissional não bate de frente com os especialistas ou questiona a equipe, muito menos na hora do parto – se isso acontecer, ela pode transformar um momento nervoso em algo ainda mais tenso.
Só devo procurar uma doula se eu quiser um parto normal?

Não. A doula provavelmente vai esclarecer sobre o que levar em consideração na hora de escolher o tipo de parto, mas mesmo que seja uma cesárea, ela terá seu papel. Fazer com que a mulher se sinta segura para a chegada do bebê, confortá-la durante a cirurgia e dar o apoio para a amamentação no pós-parto são algumas das funções que ela terá ao seu lado.
O que a doula faz durante o parto?

Se o parto for hospitalar, a doula pode fazer a ponte entre a equipe médica e a gestante, explicando como funcionam as intervenções que eles propõem e como o parto vai evoluir. A doula faz gestos simples como dar a mão para a gestante e massageá-la. Ela também vai ajudá-la a encontrar posições mais confortáveis para o trabalho de parto, ensinar técnicas de respiração e propor medidas naturais que podem aliviar as dores, como banho quente.
Elas fazem parto em casa?

Sim, mas esse parto requer mais do que uma doula. Para realizá-lo a gestante geralmente recruta, além da doula, um médico e um enfermeiro. Se você está pensando em parto domiciliar, o ideal é se informar com o seu obstetra.
Se eu decidir por um parto hospitalar, as maternidades aceitam a presença da doula?

A lei brasileira garante à gestante o direito de ter um acompanhante no parto. Em alguns hospitais, essa regra é seguida à risca. Como a maior parte das gestantes quer a presença do marido na hora do parto, é preciso verificar com a maternidade se é possível ter a doula e o pai nesse momento para evitar sustos na última hora.
Quando a grávida começa a procurar uma doula?

A mulher deve procurar a doula a partir do momento em que ela percebe a necessidade de se preparar para o parto e para a chegada do bebê. Geralmente, a procura começa no segundo trimestre de gestação.
Como são os encontros?

Há, em média, três encontros para planejar o parto e a chegada do bebê. A doula também ficará ao seu lado durante o trabalho de parto, até que o bebê nasça, e fará algumas visitas no pós-parto.
Onde eu posso achar uma doula?

No site Doulas há um registro atualizado. Você pode procurar por nome ou cidade e saber mais informações sobre a atuação de cada uma delas.
Os resultados do parto são melhores com doulas?

Sim. Diversas pesquisas já mostraram que atuação das doulas reduz a taxa de cesariana, o uso de anestesia, de fórceps, além de melhorar a qualidade dos resultados após o parto. Seis meses após o parto, o sucesso com a duração da amamentação e interação da mãe e do bebê é maior entre as mães que foram acompanhadas por doulas.
Um pouco mais de história

A palavra doula vem do grego e significa “mulher que serve”. Na década de 70, uma médica antropologista chamada Dana Raphael escreveu um livro sobre amamentação e chamou as mulheres que apoiavam as mães no processo de amamentação de doulas. Alguns anos mais tarde, Klaus e Kennel, dois pediatras norte-americanos, foram estudar a interação entre mãe e bebê durante o nascimento em um hospital na Guatemala. Uma das estudantes de medicina que os acompanhou durante o estudo falava espanhol e começou a assistir os partos. Ela atuava simplesmente dando a mão para as mulheres que estavam parindo. Depois de algum tempo, os pesquisadores perceberam que os partos dos quais essa estudante tinha participado havia sido mais rápidos e com menos intervenções. Eles replicaram a iniciativa treinando e colocando mais três mulheres como apoiadoras, confirmaram a melhora nos partos e se apropriaram do termo doula para nomeá-las.
Dicas de leitura

A Doula no Parto, Fadynha. Publicado pelo GAMA (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa)
O Renascimento do Parto, Michael Odent. Editora Momento Atual
Parto normal ou cesárea? O que toda mulher deve saber (e todo homem também), Simone Grilo Diniz e Ana Cristina Duarte. Editora Unesp.

Muito Interessante.

Mães que se tornaram doulas

Conheça três mulheres que tiveram suas vidas transformadas pela experiência do parto e da maternidade


Siga Revista Crescer no Pinterest
mae_bebe (Foto: shutterstock)
Arthur nasceu em casa. Sua mãe, a enfermeira Carolina Fanti, sabia desde o início da gravidez que queria ter um parto domiciliar. Ela e o marido, porém, foram os únicos da família a presenciarem o nascimento do garoto. O resto da família não fazia ideia do que estava acontecendo. Para impedir que alguém a convencesse do contrário, Carolina contou apenas para a irmã sobre sua escolha. No dia do parto, esperou até que a casa estivesse limpa e arrumada para ligar para os parentes e contar que Arthur tinha chegado ao mundo bem ali na sua sala.
Carolina (de rosa) com o marido Thiago, o filho Arthur, sua doula e sua parteira (Foto: arquivo pessoal)
Para auxiliá-la nesse processo, Carolina tinha, além da obstetra e da parteira, uma doula. “A Camila é irmã da minha parteira. O Arthur demorou quase 12 horas para nascer, acabou o gás na minha casa e ninguém me deixou perceber. Elas ficaram ao meu lado o tempo inteiro e a Camila tirou todas as minhas dúvidas”, conta. Foi depois dessa experiência que a enfermeira de 27 anos, que terminou a faculdade já inclinada a atuar na área de obstetrícia, decidiu se tornar doula também.
Camila não é a única que tomou essa decisão. No caso dela, a mudança veio após uma experiência boa. Para algumas mulheres, o universo das doulas passou a existir depois de experiências difíceis. É o caso de Maria Ângela Fiedler.
Sua primeira gestação foi aos 20 anos. Apesar de ter uma família na qual o parto normal não era a regra – seus 35 primos nasceram de cesárea – ela queria tentar. Sem uma referência próxima para conversar, Maria Ângela confiou em sua obstetra, que garantiu fazer partos normais. No final da gravidez, porém, a médica começou a assustá-la pedindo uma série de exames e dizendo que em todos os partos fazia episotomia (corte no períneo). Por causa do nervosismo, Maria desenvolveu uma reação alérgica que causava coceiras pelo corpo e ficou quase três semanas sem dormir. Cansada de estar grávida, pediu pela cesárea. A obstetra ainda tentou induzir o parto, sob a condição de mantê-la em jejum. Quando já não aguentava mais passar fome e sede, pediu novamente pela cirurgia. Laura nasceu absolutamente saudável.

A segunda gravidez veio menos de um ano após a primeira. Dessa vez, Maria Ângela foi acompanhada por outra médica, mais tranquila que a primeira, que apoiou totalmente sua opção pelo parto normal, mesmo já tendo feito uma cesárea. Porém, nessa época, além de tomar conta da gravidez ela tinha que cuidar da filha bebê e lidar com o processo de separação do marido. “No fim [da gestação] eu estava muito insegura, mal psicologicamente mesmo. E a verdade é que eu ainda não sabia nada sobre parto. A segunda cesárea foi totalmente minha opção”.
Maria Ângela (no centro) com os três filhos e o atual marido (Foto: arquivo pessoal)
Logo depois do nascimento de Luan, Maria Ângela se mudou para São Paulo e encontrou uma amiga que tinha dado à luz uma menina de parto normal, com a ajuda de uma doula. Era a primeira vez que conhecia alguém próximo com essa experiência. “Eu fiquei muito fascinada com o que minha amiga me contou. Liguei para sua doula, pedi livros e ela me indicou alguns lugares que davam cursos sobre isso. Fiz o curso e ele mudou tudo, descobri que isso era minha vocação”, conta.

Maria Ângela trabalhou durante seis meses como doula voluntária no Amparo Maternal (SP) e logo depois engravidou de seu terceiro filho. “Fui a um encontro sobre parto domiciliar e falei para o meu marido que o Raul ia nascer na nossa casa. Conversamos com vários médicos até ele se convencer e topar. Como eu já havia acompanhado vários partos e estava por dentro do assunto, me senti super segura. Raul nasceu de 40 semanas em um parto de seis horas. Foi minha redenção.” Hoje ela trabalha como professora de pilates, doula e faz curso de obstetrícia. “E sou mãe de três filhos! Mas quando eu me formar como obstetriz, pretendo mudar de profissão”, brinca.

Assim como Maria Ângela, muitas mulheres que trabalham como doulas têm vida dupla, e nem sempre é fácil equilibrar tudo. Carolina, por exemplo, que é enfermeira de profissão, precisa se controlar para não confundir os papéis quando está atuando como doula. Nesse momento, sua única função é apoiar a gestante, sem fazer nenhum atendimento ou procedimento invasivo. Mesmo com a correria, elas têm certeza de que vale a pena, e afirmam que o fato de já terem vivido seus partos faz uma grande diferença.

A história de Eleonora Moraes é mais radical. Ela tornou-se doula em tempo integral com o propósito de oferecer a mais mulheres a possibilidade de um parto normal sem traumas. Na verdade, sua “militância” por esse tipo de parto começou após sua terceira gravidez. A primeira filha havia nascido de parto normal, mas o filho do meio nasceu de uma cesárea traumática. “Essa coisa de marcar hora, ir lá e arrancar o bebê, fiquei com sensação que meu corpo foi falho no nascimento. Na terceira vez, tive uma experiência excelente de parto normal hospitalar e isso me fortaleceu enquanto mãe e mulher. De novo eu me sentia uma mãe leoa. Deu tudo certo com amamentação, estava feliz. Aí eu pensei, por que tirar essa oportunidade da vida das mulheres?”.
Eleonora com uma gestante no Despertar do Parto (Foto: arquivo pessoal)
A psicóloga, que nunca havia imaginado trabalhar com mulheres grávidas, viu sua vida virar do avesso. Ela não parou de pensar no assunto, que se tornou uma paixão. “Comecei a estudar, ler, buscar o que havia na internet. De repente, tinha um arsenal de conhecimento. E vendo a realidade da minha cidade [Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, que segundo dados do Ministério da Saúde teve 60% de partos cesárea em 2009] eu decidi que precisava tomar uma atitude”, conta Eleonora.

Ela fez um curso na Unicamp sobre preparação para o parto e começou a oferecer assistência a gestantes que quisessem se preparar para a hora H. O trabalho, porém, a deixava frustrada, já que mesmo com o curso quase todas as mulheres não conseguiam ter o parto normal. Depois de alguns meses de trabalho, Eleonora ficou sabendo de um curso de doula que seria ministrado em Campinas. Sua ideia era só encontrar pessoas que também trabalhavam com preparação para o parto, mas ela terminou as aulas totalmente transformada. “Minha primeira experiência prática aconteceu quando eu me ofereci voluntariamente para acompanhar o parto de uma pessoa. Dessa vez, foi uma cesárea. A segunda experiência foi com um parto normal e foi muito intensa.”

Desde então, ela não parou mais. Já são oito anos se dedicando ao trabalho de doula. No início, como ninguém sabia muito bem o que era isso, Eleonora continuava dando os cursos de preparação para o parto e passou a oferecer ioga para as gestantes. “Era um jeito de fazer meu trabalho de doula acontecer”, conta. Hoje ela se dedica integralmente ao “Despertar do Parto”, casa que fundou em Ribeirão. Lá, além de atender as gestantes e mulheres no pós-parto, o local oferece um curso de doulas. Assim, ela tenta multiplicar aquilo que transformou sua vida.